História da Educação Brasileira

História da Educação Brasileira
Ementa
Estudar as transformações educacionais e verificar as perspectivas antropológicas que influenciaram a formação social moderna: a escola europeia, as principais organizações e idéias manifestam em tendência e pensamento pedagógicos, do século XV ao século XX.
Educação de massas. Estudos das influências dos Ideais iluministas, liberais e positivistas sobre o pensamento educacional. Relações entre sociedade, trabalho e educação; determinantes histórico-estruturais que produziram a situação brasileira: modelo agro-exportador ao modelo urbano-industrial dependente, com ênfase nas continuidades e rupturas.
Bibliografia Básica:
1. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil: 1930/1973. 32.ed. Petropólis: Vozes, 2014.
2. GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 2008.
3. OLIVEIRA, Pérsio Santos de. Introdução à sociologia da educação. São Paulo: Ática, 2005.
______________________________________________________________________________________________________Bibliografia Complementar:
1. DURKHEIM, Émile. “A educação como processo socializador”. In: PEREIRA, Luiz & FORACCHI, MARIALICE. Educação e sociedade. 13ª ed. São Paulo: Editora Nacional, 1987.
2. BERGER, P.; BERGER, B. “Socialização”. In: FORACCHI, Marialice& MARTINS, José de Souza. Sociologia e Sociedade. 19ª Tiragem. Rio de Janeiro: LTC, 1994.
3. CHARON, Joel. Sociologia. São Paulo: Saraiva, 2004.
4. LIBÂNEO, José Carlos. Educação escolar. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
5. SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. 4. ed. São Paulo: Cortez Editora, 1984.

Linha do Tempo - História da Educação no Brasil

Período Joanino (1808–1821)
A mudança da Família Real, em 1808, permitiu uma nova ruptura com a situação anterior. Para atender às necessidades prementes da nova capital e centro do Império Português, D. João VI refundou a academia militar que havia (atual Academia Militar das Agulhas Negras), criou duas escolas de medicina – um no Rio de Janeiro e outro em Salvador, transferiu a Biblioteca Real para cá (atual Biblioteca Nacional), criou o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e a Imprensa Régia (primeira imprensa oficial que criou o primeiro jornal impresso do Brasil).
Há de se notar que todas essas intervenções mudariam a condição cultural do Brasil que antes era relegado à dependência colonial. O surgimento da imprensa permitiu que os fatos e as idéias fossem divulgados e discutidos no meio da população letrada, preparando terreno propício para as questões políticas que permearam o período seguinte da História do Brasil; apesar de tudo infelizmente não se conseguiu implantar um sólido sistema educacional nas terras brasileiras.
A educação continuou a ter uma importância secundária. O professor Lauro de Oliveira Lima disse: “A ‘Abertura dos portos’, além do significado comercial da expressão, significou a permissão dada aos ‘brasileiros’ de tomar conhecimento de que existia, no mundo, um fenômeno chamado civilização e cultura”. Não existiam universidades.

Período imperial (1822-1889)
D. João VI volta a Portugal em 1821. Em 1822, seu filho D. Pedro I proclama a Independência do Brasil e, em 1824, outorga a primeira Constituição brasileira. O Art. 179 desta Lei Magna dizia que a “instrução primária é gratuita para todos os cidadãos”.
Em 1823, tentando suprir a falta de professores, institui-se o Método Lancaster, pelo qual um aluno treinado ensinava um grupo de 10 alunos sob a vigilância de um inspetor.
Em 1826, um Decreto institui quatro graus de instrução: Pedagogias (escolas primárias), Liceus, Ginásios e Academias. Em 1827 um projeto de lei propõe a criação de pedagogias em todas as cidades e vilas, além de prever o exame na seleção de professores, para nomeação. Propunha ainda a abertura de escolas para meninas.
Em 11 de agosto de 1827 o imperador D. Pedro I cria duas faculdades de Direito no País. Tal empreendimento é de ordem prática: assim não era mais necessário deslocar-se para a Europa (para a Universidade de Coimbra na época colonial) – e estava assegurada a formação dos advogados e administradores públicos do nascente Império Brasileiro.
Por todo o Império pouco se fez pela educação brasileira e muitos reclamavam de sua qualidade ruim.

República Velha (1889-1929)
A República proclamada adotou o modelo político estadunidense baseado no sistema presidencialista. Na organização escolar percebe-se influência da filosofia positivista. A Reforma de Benjamin Constant tinha como princípios orientadores a liberdade e laicidade do ensino, como também a gratuidade da escola primária. Estes princípios seguiam a orientação do que estava estipulado na Constituição brasileira. Uma das intenções desta Reforma era transformar o ensino em formador de alunos para os cursos superiores. Outra intenção era substituir a predominância literária pela científica.
Esta Reforma foi bastante criticada: pelos positivistas, já que não respeitava os princípios pedagógicos de Comte; pelos que defendiam a predominância literária, já que o que ocorreu foi o acréscimo de matérias científicas às tradicionais.
A Reforma Rivadávia Correa, de 1911, pretendeu que o curso secundário se tornasse formador do cidadão e não como simples promotor a um nível seguinte. Retomando a orientação positivista, prega a liberdade de ensino, entendendo-se como a possibilidade de oferta de ensino que não seja por escolas oficiais, e de freqüência. Além disso, prega ainda a abolição do diploma em troca de um certificado de assistência e aproveitamento e transfere os exames de admissão ao ensino superior para as faculdades. Os resultados desta Reforma foram desastrosos para a educação brasileira.
Num período complexo da História do Brasil surge a Reforma João Luiz Alves que introduz a cadeira de Moral e Cívica com a intenção de tentar combater os protestos estudantis contra o governo do presidente Artur Bernardes.
A década de vinte foi marcada por diversos fatos relevantes no processo de mudança das características políticas brasileiras. Foi nesta década que ocorreu o Movimento dos 18 do Forte (1922), a Semana de Arte Moderna (1922), a fundação do Partido Comunista do Brasil (1922), a Rebelião Tenentista (1924) e a Coluna Prestes (1924 a 1927).

Segunda República (1930-1936)
A Revolução de 30 foi o marco referencial para a entrada do Brasil no modelo capitalista de produção. A acumulação de capital, do período anterior, permitiu com que o Brasil pudesse investir no mercado interno e na produção industrial. A nova realidade brasileira passou a exigir uma mão-de-obra especializada e para tal era preciso investir na educação. Sendo assim, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1931, o governo provisório sanciona decretos organizando o ensino secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Estes Decretos ficaram conhecidos como “Reforma Francisco Campos”.
Em 1932 um grupo de educadores lança à nação o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por outros conceituados educadores da época. Em 1934, a nova Constituição (a segunda da República) dispõe, pela primeira vez, que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos. Ainda em 1934, por iniciativa do governador Armando Salles Oliveira, foi criada a Universidade de São Paulo. A primeira a ser criada e organizada segundo as normas do Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931. Em 1935 o Secretário de Educação do Distrito Federal, Anísio Teixeira, cria a Universidade do Distrito Federal, no atual município do Rio de Janeiro.

Estado Novo (1937-1945)
Refletindo tendências fascistas é outorgada uma nova Constituição em 1937. A orientação político-educacional para o mundo capitalista fica bem explícita em seu texto sugerindo a preparação de um maior contingente de mão-de-obra para as novas atividades abertas pelo mercado. Neste sentido a nova Constituição enfatiza o ensino pré-vocacional e profissional. Por outro lado propõe que a arte, a ciência e o ensino sejam livres à iniciativa individual e à associação ou pessoas coletivas públicas e particulares, tirando do Estado o dever da educação. Mantém ainda a gratuidade e a obrigatoriedade do ensino primário
O contexto político do estabelecimento do Estado Novo faz com que as discussões sobre as questões da educação, profundamente ricas no período anterior, entrem “numa espécie de hibernação”. As conquistas do movimento renovador, influenciando a Constituição de 1934, foram enfraquecidas nessa nova Constituição de 1937. Marca uma distinção entre o trabalho intelectual, para as classes mais favorecidas, e o trabalho manual, enfatizando o ensino profissional para as classes mais desfavorecidas.
O ensino ficou composto, neste período, por cinco anos de curso primário, quatro de curso ginasial e três de colegial, podendo ser na modalidade clássico ou científico. O ensino colegial perdeu o seu caráter propedêutico, de preparatório para o ensino superior, e passou a se preocupar mais com a formação geral. Apesar dessa divisão do ensino secundário, entre clássico e científico, a predominância recaiu sobre o científico, reunindo cerca de 90% dos alunos do colegial.

República Nova (1946-1963)
A nova Constituição, na área da Educação, determina a obrigatoriedade de se cumprir o ensino primário e dá competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação. Além disso, fez voltar o preceito de que a educação é direito de todos.
Baseado nas doutrinas emanadas pela Carta Magna de 1946, o Ministro Clemente Mariani, cria uma comissão com o objetivo de elaborar um anteprojeto de reforma geral da educação nacional. Esta comissão, presidida pelo educador Lourenço Filho, era organizada em três subcomissões: uma para o Ensino Primário, uma para o Ensino Médio e outra para o Ensino Superior. Em novembro de 1948 este anteprojeto foi encaminhado à Câmara Federal, dando início a uma luta ideológica em torno das propostas apresentadas. Num primeiro momento as discussões estavam voltadas às interpretações contraditórias das propostas constitucionais. Num momento posterior, após a apresentação de um substitutivo do Deputado Carlos Lacerda, as discussões mais marcantes relacionaram-se à questão da responsabilidade do Estado quanto à educação, inspirados nos educadores da velha geração de 1930, e a participação das instituições privadas de ensino.
Depois de 13 anos de acirradas discussões foi promulgada a Lei 4.024, em 20 de dezembro de 1961, sem a pujança do anteprojeto original, prevalecendo as reivindicações da Igreja Católica e dos donos de estabelecimentos particulares de ensino no confronto com os que defendiam o monopólio estatal para a oferta da educação aos brasileiros.
Se as discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional foi o fato marcante, por outro lado muitas iniciativas marcaram este período como, talvez, o mais fértil da História da Educação no Brasil: em 1950, em Salvador, no estado da Bahia, Anísio Teixeira inaugura o Centro Popular de Educação (Centro Educacional Carneiro Ribeiro), dando início a sua ideia de escola-classe e escola-parque; em 1952, em Fortaleza, estado do Ceará, o educador Lauro de Oliveira Lima inicia uma didática baseada nas teorias científicas de Jean Piaget: o Método Psicogenético; em 1953, a educação passa a ser administrada por um Ministério próprio: o Ministério da Educação e Cultura; em 1961, tem início uma campanha de alfabetização, cuja didática, criada pelo pernambucano Paulo Freire, propunha alfabetizar em 40 horas adultos analfabetos.

Ditadura Militar (1964-1985)
Em 1964, um golpe militar aborta todas as iniciativas de se revolucionar a educação brasileira, sob o pretexto de que as propostas eram “comunizantes e subversivas”.
O Regime Militar espelhou na educação o caráter antidemocrático de sua proposta ideológica de governo: professores foram presos e demitidos; universidades foram invadidas; estudantes foram presos e feridos nos confronto com a polícia e alguns foram mortos; os estudantes foram calados e a União Nacional dos Estudantes proibida de funcionar; o Decreto-Lei 477 calou a boca de alunos e professores.
Neste período deu-se a grande expansão das universidades no Brasil. Para acabar com os “excedentes” (aqueles que tiravam notas suficientes para serem aprovados, mas não conseguiam vaga para estudar), foi criado o vestibular classificatório.
Para erradicar o analfabetismo foi criado o Movimento Brasileiro de Alfabetização, aproveitando-se a didática do expurgado Paulo Freire. O MOBRAL se propunha a erradicar o analfabetismo no Brasil: não conseguiu. Entre denúncias de corrupção, acabou por ser extinto e, no seu lugar, criou-se a Fundação Educar.
É no período mais cruel da ditadura militar, onde qualquer expressão popular contrária aos interesses do governo era abafada, muitas vezes pela violência física, que é instituída a Lei 5.692, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1971. A característica mais marcante desta Lei era tentar dar a formação educacional um cunho profissionalizante.

Nova República (1986-2003)
No fim do Regime Militar a discussão sobre as questões educacionais já haviam perdido o seu sentido pedagógico e assumido um caráter político. Para isso contribuiu a participação mais ativa de pensadores de outras áreas do conhecimento que passaram a falar de educação num sentido mais amplo do que as questões pertinentes à escola, à sala de aula, à didática, à relação direta entre professor e estudante e à dinâmica escolar em si mesma. Impedidos de atuarem em suas funções, por questões políticas durante o Regime Militar, profissionais de outras áreas, distantes do conhecimento pedagógico, passaram a assumir postos na área da educação e a concretizar discursos em nome do saber.
Neste período, do fim do Regime Militar aos dias de hoje, a fase politicamente marcante na educação, foi o trabalho do economista e ministro da Educação Paulo Renato de Souza, que tornou o Conselho Nacional de Educação menos burocrático e mais político. Jamais houve execução de tantos projetos na área da educação.
Até os dias de hoje muito tem se mexido no planejamento educacional, mas a educação continua a ter as mesmas características impostas em todos os países do mundo, que é mais o de manter o “status quo”, para aqueles que frequentam os bancos escolares, e menos de oferecer conhecimentos básicos, para serem aproveitados pelos estudantes em suas vidas práticas.
Autor: Thiago Dutra Vilela



Tabela TIO de João Rafael Lopes
Mapa das mediações Jesús Martin-Barbero 2001
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DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DE UM SISTEMA NACIONAL ARTICULADO DE EDUCAÇÃO
por Dermeval Savianii 
Resumo
Busca-se aqui discutir os desafios que se antepõem à tarefa da construção do sistema nacional de educação, no contexto do Plano de Desenvolvimento da Educação, tema retomado por iniciativa do Ministério da Educação. Com base nas imprecisões e confusões reinantes nessa área, começa-se pela discussão do próprio significado da expressão 'sistema nacional' a partir de sua configuração histórica. Em seguida, aborda-se o tema propriamente dito, ou seja, os desafios para a construção do sistema, os quais são agrupados em quatro modalidades: econômicos, traduzidos na tradicional e persistente resistência à manutenção do ensino público no Brasil; políticos, expressos na descontinuidade das iniciativas de reforma da educação; ideológicos, representados pelas idéias e interesses contrários ao sistema nacional de educação; e legais, correspondentes à resistência à aprovação de uma legislação que viabilize a organização do ensino na forma de um sistema nacional em nosso país. 
Palavras-chave: sistema nacional; educação; plano; financiamento; legislação. 

Não deixa de ser auspicioso o retorno do debate referente ao sistema nacional de educação no contexto brasileiro atual. Trata-se de um tema que pode ser considerado a maior criação da educação ocidental nos séculos XIX e XX. No Brasil, porém, essa questão vem sendo colocada desde o final do século XIX sem jamais conseguir se impor nos debates e, muito menos, viabilizar-se praticamente. Agora, por iniciativa do Ministério da Educação, o tema é retomado no contexto do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), um programa de metas voltado para o enfrentamento dos problemas que o país vem enfrentando no âmbito da educação básica. O tema que trato neste texto 2 diz respeito aos desafios que se antepõem à tarefa da construção do sistema nacional de educação. Considerando as imprecisões e confusões reinantes nessa área, considero conveniente começar pela discussão do próprio significado da expressão 'sistema educacional' a partir de sua configuração histórica. Na seqüência, procurarei abordar o tema propriamente dito, ou seja, os desafios para a construção do sistema, os quais serão agrupados em quatro modalidades: os desafios econômicos, traduzidos na tradicional e persistente resistência à manutenção do ensino público no Brasil; os desafios políticos, expressos na descontinuidade das iniciativas de reforma da educação; os desafios ideológicos, representados pelas idéias e interesses contrários ao sistema nacional de educação; e os desafios legais, correspondentes à resistência à aprovação de uma legislação que permita a organização do ensino na forma de um sistema nacional em nosso país. 

Configuração histórica e significado da expressão 'sistema educacional' 
O desenvolvimento da sociedade moderna corresponde ao processo em que a educação passa do ensino individual ministrado no espaço doméstico por preceptores privados para o ensino coletivo ministrado em espaços públicos denominados escolas. Assim, a educação sistematizada própria das instituições escolares tende a se generalizar impondo, em consequência, a exigência de se sistematizar também o funcionamento dessas instituições, dando origem aos sistemas educacionais organizados pelo poder público. Com efeito, no referido processo foi se impondo o entendimento de que a educação é uma questão de interesse público, devendo ser situada no âmbito da esfera estatal. Daí a bandeira da escola pública, universal, gratuita, obrigatória e leiga que se difundiu de modo especial a partir da Revolução Francesa. Essa bandeira tornou-se realidade a partir da segunda metade do século XIX com a emergência dos Estados nacionais que se fez acompanhar da implantação dos sistemas nacionais de ensino nos diferentes países como via para a erradicação do analfabetismo e universalização da instrução popular.
O Brasil foi retardando essa iniciativa e, com isso, foi acumulando um déficit histórico imenso no campo educacional, em contraste com os países que instalaram os respectivos sistemas nacionais de ensino não apenas na Europa, mas também na América Latina, como o ilustram os casos da Argentina, Chile e Uruguai. O fenômeno dos sistemas nacionais de ensino generalizou, na educação, o uso do termo sistema, que se configurou como uma espécie de termo primitivo não carecendo, pois, de definição. Daí sua polissemia com as imprecisões e confusões decorrentes, o que nos impõe a exigência de examinar, preliminarmente, o significado da expressão 'sistema educacional'. Convivemos diariamente com expressões como 'sistema federal de ensino', 'sistema oficial', 'sistema público', 'sistema escolar', 'sistema de ensino superior' etc.
Na verdade, porém, o uso dessas expressões é impróprio; um exame mais detido revelará que, em todos esses casos, se trata propriamente do sistema educacional, considerado sob este ou aquele prisma, nesse ou naquele aspecto. Na base desse uso difuso do conceito de sistema na educação está a noção de que o termo 'sistema' denota conjunto de elementos, isto é, a reunião de várias unidades formando um todo. Daí a assimilação do conceito de sistema educacional a conjunto de unidades escolares ou de rede de instituições de ensino.
Assim, normalmente quando se fala em 'sistema público de ensino', o que está em causa é o conjunto das instituições públicas de ensino; quando se fala em sistema particular de ensino, trata-se da rede de escolas particulares; ao se falar em sistema superior de ensino, sistema de ensino profissional, sistema de ensino primário, igualmente a referência são as redes de escolas superiores, profissionais ou primárias e assim por diante. Mas é preciso considerar que o conceito de sistema não se resume à ideia de rede de escolas. Para lá dessa acepção, o termo sistema denota um conjunto de atividades que se cumprem tendo em vista determinada finalidade. E isso implica que as referidas atividades são organizadas segundo normas decorrentes dos valores que estão na base da finalidade preconiza-da. Assim, sistema implica organização sob normas próprias (o que lhe confere um elevado grau de autonomia) e comuns (isto é, que obrigam a todos os seus integrantes). Nas sociedades modernas a instância dotada de legitimidade para legislar, isto é, para definir e estipular normas comuns que se impõem a toda a coletividade, é o Estado. Daí que, a rigor, só se pode falar em sistema, em sentido próprio, na esfera pública. Por isso as escolas particulares integram o sistema quando fazem parte do sistema público de ensino, subordinando-se, em consequência, às normas comuns que lhe são próprias. Assim, é só por analogia que se pode falar em 'sistema particular de ensino'. O abuso da analogia resulta responsável por boa parte das confusões e imprecisões que cercam a noção de sistema, dando origem a expressões como sistema público ou particular de ensino, sistema escolar etc.
Ora, a expressão 'sistema público de educação' é pleonástica porque o sistema de ensino só pode ser público. Já a expressão 'sistema particular de ensino' é contraditória porque as entidades privadas não têm o poder de instituir sistemas educacionais. Em verdade, a atitude que tem prevalecido entre os educadores em geral e especialmente entre os legisladores tem sido a de evitar a questão relativa ao esclarecimento preciso do conceito de sistema, considerando-o como algo constantemente referido, mas cujo sentido permanece sempre implícito, supostamente compreendido, mas jamais assumido explicitamente. Até a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), aprovada em 20 de dezembro de 1996, havia no Brasil apenas duas modalidades de sistemas de ensino: o sistema federal, que abrangia os territórios federais e tinha caráter supletivo em relação aos estados; e os sistemas estaduais e do distrito federal. Nesse contexto, as escolas de educação básica, públicas e particulares, integravam os respectivos sistemas estaduais.
Já as escolas superiores, públicas e particulares, integravam o sistema federal subordinando-se, pois, às normas fixadas pela União. Neste último caso a legislação admitia a possibilidade do sistema federal delegar aos sistemas estaduais a jurisdição sobre as escolas superiores, desde que se tratasse de Estado com tradição consolidada no âmbito do ensino superior. Cabe observar que as dificuldades em relação a esse tema decorrem já do próprio texto constitucional. Tudo indica que os constituintes procederam nesse assunto segundo aquela atitude acima descrita, pressupondo tacitamente o significado de sistema, mas sem compreendê-lo de forma rigorosa e clara. Com isso, inadvertidamente, introduziram no texto, por analogia, o conceito de sistema municipal de ensino.
Ora, a própria Constituição, ao prescrever no artigo 22, inciso XXIV, que compete privativamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional; que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre educação, cultura, ensino e desporto (artigo 24, inciso IX); e que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência (artigo 23, inciso V), não estendeu aos municípios a competência para legislar em matéria de educação. Portanto, não tendo autonomia para baixar normas próprias sobre educação ou ensino, os municípios estariam constitucionalmente impedidos de instituir sistemas próprios, isto é, municipais, de educação ou de ensino. Não obstante, o texto constitucional deixa margem, no artigo 211, para que se possa falar em sistemas de ensino dos municípios quando estabelece que "a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os seus sistemas de ensino".

Como interpretar esse dispositivo?
Estaria ele afirmando claramente a competência dos municípios para instituir os respectivos sistemas de ensino? Mas então, por que não se estendeu aos municípios, de forma explícita, a competência para legislar em matéria de educação? Observe-se que nessa passagem da Constituição Federal não aparece a expressão "os respectivos sistemas de ensino", mas "os seus sistemas de ensino". Ora, o adjetivo 'respectivos' denota univocamente `de cada um' enquanto que a palavra 'seus' pode significar tanto 'de cada um' como 'deles', isto é, os sistemas de ensino da União, estados e municípios. Será que, no citado artigo 211, o acento deve ser posto na competência individual de cada ente federativo ou no regime de colaboração entre eles? Ou seja: o plural 'sistemas de ensino' deve ser lido como significando que cada um organiza o respectivo sistema de ensino ou estaria significando que a organização dos sistemas de ensino pressupõe sempre a colaboração entre os vários entes federados?
Assim, no Distrito Federal, que não é constituído por municípios, a organização do sistema de ensino implicaria apenas a colaboração entre a União e o Distrito Federal. Já nos estados essa organização envolveria a colaboração entre a União, o estado e os seus municípios. Por outro lado, o termo 'sistema' é utilizado em educação de forma equívoca assumindo, pois, diferentes significados. Ao que tudo indica, o artigo 211 da Constituição Federal de 1988 estaria tratando da organização das redes escolares que, no caso dos municípios, apenas por analogia são chamadas aí de sistemas de ensino. Com efeito, sabe-se que é muito comum a utilização do conceito de sistema de ensino como sinônimo de rede de escolas. Daí falar-se em sistema estadual, sistema municipal, sistema particular etc., isto é, respectivamente, rede de escolas organizadas e mantidas pelos estados, pelos municípios ou pela iniciativa particular.
Obviamente, cabe aos municípios manter escolas, em especial de educação infantil e de ensino fundamental o que, aliás, está prescrito expressamente no inciso VI do artigo 30 da Constituição Federal de 1988: "compete aos Municípios: VI — manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental." É de se notar, por outro lado, que não consta desse artigo 30 que trata das competências dos municípios, a prerrogativa de "legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto" como ocorre com a União, estados e Distrito Federal. Portanto, numa interpretação estrita do que está expresso no texto da Constituição Federal em vigor, os municípios não disporiam da faculdade de instituir sistemas próprios de ensino, já que isto entraria em conflito com o disposto no Título III da Constituição. Consequentemente, não haveria lugar para a instituição de sistemas municipais de ensino. As escolas municipais integrariam, via de regra, os sistemas estaduais de ensino subordinando-se, pois, às normas estabelecidas pelos respectivos estados.

SAVIANI, Dermeval. Desafios da construção de um sistema nacional articulado de educação.
Trab. educ. saúde [online]. 2008, vol.6, n.2, pp.213-232. ISSN 1981-7746.  http://dx.doi.org/10.1590/S1981-77462008000200002.

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